domingo, 13 de março de 2011

O "BOA NOITE" SALESIANO

Em 2006, estando entre os salesianos, produzi uma breve reflexão sobre um dos recursos pedagógicos utilizados pelo Padre João Bosco, durante o século XIX, para educar e evangelizar adolescentes e jovens italianos. Hoje os boas noites transformaram-se também em bom dias ou boas tardes nas obras salesianas no mundo, voltados especialmente para a formação de cristãos e cidadãos.
Publicando neste dia esta reflexão manifesto, portanto, minha graditão aos irmãos e padres salesianos. Com certeza, muito do que sou hoje devo a eles.


Resumo

Baseado em alguns escritos de Dom Bosco e de autores que trabalharam com a espiritualidade salesiana, especialmente com o gênero biográfico e autobiográfico, o breve artigo pretende discutir sobre a origem do "boa noite", recurso pedagógico utilizado até hoje na educação de adolescentes e jovens atendidos pelas comunidades salesianas, refletindo sobre o contexto de seu surgimento, temas, objetivo e método.

Margarida, mãe de Dom Bosco e sua colaboradora primeira no Oratório de São Francisco de Sales, em Valdocco - Itália, protagonizou o surgimento dessa prática que integra uma série de rituais voltados para a consolidação do clima de família e conseqüentemente para a educação e evangelização de adolescentes e jovens.

Palavras-chave
Boa-noite – Mamãe Margarida – Sistema Preventivo




O boa-noite é um recurso educativo e pastoral praticado na família salesiana desde o surgimento do primeiro internado no Oratório São Francisco de Sales, em Valdocco. Por sua indispensável colaboração na formação moral e espiritual da juventude, tornou-se uma tradição e ainda hoje é cultivado nas casas salesianas de todo o mundo.
 

Dom Bosco, na Memórias Biográficas do Oratório de São Francisco de Sales, narra detalhadamente o primeiro "boa noite" salesiano. No início dos anos 1850, passou a alojar num paiol adaptado jovens que não tinham onde dormir, dando-lhes a oportunidade de fixar-se em Turim e de obter um trabalho. Para ele, além de instruir os jovens na religião e na cultura geral, dar-lhes abrigo era uma necessidade imperiosa que urgia enfrentar, uma vez que rapazes de Turim e de fora se mostravam cheios de boa vontade de se dedicarem a uma vida honesta e laboriosa, mas quando indagados, diziam que não tinham pão, nem roupa, nem casa onde morar por pouco tempo que fosse. Apesar de sua intenção em ajudar os jovens, repetidas vezes levaram-lhe lençóis, cobertores e palha.

Num final de tarde chuvosa, Dom Bosco foi procurado por um jovem de 15 anos que lhe pedia alimento e abrigo. O jovem foi logo acolhido por Mamãe Margarida que o levou para a cozinha, próximo ao fogo e deu-lhe sopa e pão. Enquanto isso Dom Bosco perguntou-lhe se havia ido à escola, se tinha pais e que trabalho fazia. Com essas perguntas, surgiu o seguinte diálogo registrado por Dom Bosco:

- Sou um pobre órfão, vindo do Vale de Sesia em busca de trabalho. Tinha comigo 5 francos, mas gastei antes de poder ganhar outros, e agora não tenho mais nada nem ninguém.

- Já fizestes a Primeira Comunhão?

- Ainda não.

- Recebeste a Crisma?

- Não.

- Já te confessaste?

- Uma vez ou outra.

- E agora, aonde queres ir?

- Não sei. Peço, por caridade, que me deixam passar a noite em algum canto desta casa.

- Se soubesse que não és ladrão, eu te ajudaria; mas outros levaram embora parte das cobertas, e tu levarás o resto.

- Não senhor. Esteja tranqüilo; sou pobre, mas nunca roubei nada.

- Se quiseres – continuou minha mãe -, vou acomodá-lo por esta noite, e amanhã Deus proverá.

- Aqui na cozinha

- Vai levar até as panelas.

- Darei um jeito para que isso não aconteça.

- Faça como achar melhor. (Bosco, 2005, p.169)

Concluída a conversa, Mamãe Margarida preparou a cama para o jovem e aproveitou a oportunidade para dizer-lhe algumas palavras a respeito da necessidade do trabalho, da honradez e da religião. Por fim, indagando se o jovem sabia as orações do cristão, convidou-lhe para juntos rezarem.

Eis aí o contexto e o momento em que surgiu o primeiro boa-noite que, aliás, revela temas, objetivos e métodos que servem até hoje como referência para a realização não só dos "boas noites", mas também dos "bons dias "e "boas tardes".

Os temas desenvolvidos por Mamãe Margarida naquele pequeno sermãozinho são uma retomada dos assuntos tratados pelo próprio Dom Bosco nas primeiras palavras dirigidas ao jovem e constituem dimensões que receberam especial atenção do sacerdote no seu trabalho com a juventude: educação, família, trabalho e religião. [1]

Esses mesmos temas, com nos lembra Chaves (2006) foram trabalhados por Mamãe Margarida na educação de seus filhos:

Com o exemplo e a palavra ensinou aos filhos as grandes virtudes do humanismo piemontês daquele tempo: o sentido de dever e do trabalho, a coragem cotidiana de uma vida dura, a franqueza e a honestidade, o bom humor. (CHAVES, 2006, P. 36).


No diálogo com o jovem vimos que Dom Bosco encontrava-se temeroso em acolhê-lo por conta dos furtos realizados pelos que havia abrigado anteriormente. É Mamãe Margarida quem intercede nesse momento, prometendo-lhe “dar um jeito” para que o problema não acontecesse novamente. Desta forma recorre à educação da consciência, elemento indispensável do sistema preventivo, convidando o jovem à prática do bem.

A capacidade de Mamãe Margarida de intervir com desenvoltura em momentos de tensão, é mencionada por Chaves (2006):

Manifesta um equilíbrio extraordinário ao harmonizar tensões complicadas na vida de família. Sua atitude revela-se sempre vigilante e como que guiada por uma preocupação superior: a de que discerne qual seja o comportamento melhor para o bem dos seus filhos diante de Deus. Apresenta-se terna e firme, compreensiva e irremovível, paciente e decidida. (CHAVES, 2006, p. 35).

Em Valdocco, Mamãe Margarida agirá da mesma forma, assim com podemos perceber do episódio do jovem desabrigado.

Considerando como chave da moralidade, do bom andamento e do bom êxito da educação[2], Dom Bosco deu continuidade ao Boa-noite no pátio, nos corredores ou nos pórticos de um modo paterno e familiar (Chaves, 2006, p.42) e recomendou sua prática aos salesianos, assinalando conteúdos a serem desenvolvidos:

Todas as noites, após as orações de costume e antes que os alunos se recolham, o diretor, ou quem por ele, dirija em público algumas afetuosas palavras, dando algum aviso ou conselho sobre o que convém fazer ou evitar.

Tire-se a lição moral de acontecimentos do dia, sucedidos em casa ou fora; mas a sua alocução não deve passar de dois ou três minutos (...) (BOSCO, 2003, p.270).

Nessa recomendação de Dom Bosco encontramos também indicações metodológicas como o cuidado em ser breve ao proferir boas mensagens aos jovens. Já a estrutura do "boa noite" emergiu naquele momento em que Mamãe Margarida arrumava com o jovem a sua cama: "primeiro sussurrou ao ouvido do menino bons conselhos, sugerindo-lhe alguns pensamentos para o tempo de sono" (AUFFRAY, 1947, p.112), depois "convidou-o a rezar as orações" (BOSCO, 2005, p. 169).

Chaves (2006, p. 41) vê Mamãe Margarida não apenas como uma figura feminina que exerce sobre Dom Bosco influência de longe, mas, a partir do interior, como inspiradora, modelo, colaboradora e primeira cooperadora. Contribue para isso a existência de modalidades, acentos, tons no sistema preventivo praticado por Dom Bosco que têm um quê de materno, de doce e de assegurador.

A presença de Mamãe Margarida no Oratório de Valdocco foi de fundamental importância para a constituição de um clima de família no sentido mais puro da palavra. De acordo com Auffray (1947, p. 114) "Dom Bosco se esforçava em conservar sempre esse ideal de vida simples, de confiança, de alegria pura e de cordialidade recíproca".

Mas a contribuição capital foi a sua presença naquele período decisivo que vai de 1846, ano da instalação da obra na casa Pinardi, até à morte de Mamãe Margarida dez anos mais tarde. Durante esses dez anos, ela foi para o filho uma auxiliar insubstituível. É a época das actividade mais vivas [3], dos combates mais duros, das idéias acerca do futuro que a todos pareciam audazes, e também a época das fundações duradoiras. (MATT E BOSCO, 1965, p.107)
 
Após recuperar-se nos Becchi de um pneumonia que o pôs às portas da morte, convidou sua mãe para acompanhá-lo a Turim.

Em 1846, Dom Bosco havia alugado quatro divisões de uma casa de propriedade do Senhor Pinardi, em Valdocco, para reunir os seus jovens. No entanto, ao lado desta, havia casas de má fama, o que poderia por em risco a moralidade do ambiente. Aceitando o convite de Dom Bosco, Mamãe Margarida colaboraria com a constituição da moralidade desejada por seu filho. Aubry (1975) o pensamento de Dom Bosco a este respeito:

Nesse tempo desocuparam-se dois quartos na casa Pinardi, e aluguei para mim e para mamãe.

- Mãe - disse-lhe um dia -, eu deveria morar em Valdocco; mas em vista das pessoas que estão naquela casa, não posso Ter comigo outra pessoas que não a senhora.

Ela compreendeu a força das minhas palavras e replicou imediatamente:

- Se achas que essa é a vontade de Deus, estou disposta a partir agora mesmo.

Minha mãe fazia um grande sacrifício; porque em casa, embora não fosse rica, era dona de tudo, amada por todos e considerada a rainha dos pequenos e adultos. (AUBRY, 1975, p.86).

Matt e Bosco (1965, p. 126) consideram a obra salesiana uma vasta iniciativa de educação popular e reconhecem a poderosa vocação de educador de Dom Bosco. Para eles, Dom Bosco não inventou um sistema novo voltado para garantir seus ideais em relação a educação da juventude. Ao contrário, Dom Bosco tinha uma Pedagogia Realista, que resultou da experiência. "Nem teorias, nem tratados, mas uma experiência progressiva. É uma pedagogia vivida a sua, não parte de uma idéias preconcebida. Faz-se, desenvolve-se, é uma prática". (MARR E BOSCO, 1965, p. 126).

Nessa Pedagogia Realista, fruto das sistematizações que fizera Dom Bosco acerca de suas vivências, Mamãe Margarida teve uma parcela significativa de contribuição. O "boa noite" e sua prática motivada por Dom Bosco na família salesiana é um exemplo disso.

REFERÊNCIA
AUBRY, Joseph. Escritos espirituais de São João Bosco. Tradução de Fausto Santa Catarina. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1975.

AUFFRAY, A. Dom Bosco. 3. Ed. Tradução de R. Zend. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, 1947.

BOSCO, Dom. O Sistema Preventivo na Educação dos Jovens. (In) Sociedade Salesiana São Francisco de Sales. Constituições e regulamentos. São Paulo: Salesiana, 2003.

______. Memórias do Oratório de São Francisco de Sales, 1815-1855. Tradução de Fausto Santa Catarina. 3. Ed. Revisão e Ampliação de Antônio da Silva Ferreira. São Paulo: Salesiana, 2005

CHAVES, Pascual. Dar especial atenção à família – berço da vida e do amor e lugar de humanização.São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, 2006.

CHIAVARINO, Luis. Os sorrisos de Dom Bosco. 6. ed. São Paulo: Paulinas, 1960.

MATT, Leonard Von Matt; BOSCO, Henri. Dom Bosco. Porto: Salesianas, 1965.
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Notas
[1] Naquela jovem órfão, desempregado, desprovido de instrução e alheio aos sacramentos, Dom Bosco encontra um genuíno destinatário.


[2] Para Auffray (1947, p.112), essa palavrinha materna (o boa noite) é uma das molas mais poderosas da educação salesiana.


[3] No decênio em que Mamãe Margarida esteve com Dom Bosco (1846-1856) foram realizadas várias obras no Oratório, como: lançamento da primeira pedra da Igreja de São Francisco de Sales, construção do primeiro internado em Valdocco, aumento e cercadura do Oratório, onde foram instaladas as oficinas e desenvolvimento do ensino.

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4 comentários:

Anônimo disse...

O texto nos oferece uma auto reflexão de métodos já existentes, sendo assim, todos os autores e métodos que são destacados com sucesso ate hoje, sem duvidas são decorrentes de métodos que proporcionam uma formação moral e espiritual, levando o individuo a conscientização. Rosanna Cajango - FACESA

Unknown disse...

Pq dom bosco fez isso

Unknown disse...

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Neucilane disse...

Como faço pra adquirir esse artigo, está disponível em alguma plataforma? Gostaria de utilizar como parte do Referencial teórico de meu trabalho acadêmico.

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