Hoje, 13 de março de 2015, o ATELIÊ DE EDUCADORES completa 5 anos de existência. Nesse tempo sabemos que esse blog colaborou com o estudo de muitos educadores, educandos e interessados.
Manifesto minha gratidão a todos que incentivaram essa iniciativa e que colaboraram de alguma forma.
Que possamos dar continuidade à nossa missão de compartilhar ideias e práticas em educação!
Em homenagem, publicamos um texto que elaboramos recentemente sobre o educador reflexivo.
Abraços!
Francisco Sales da Cunha Neto.
Todos nós temos ideias sobre
o que é ser professor e de sua função em espaços educacionais, especialmente no
ambiente de sala de aula. Tais ideias foram construídas ao longo de nossa
formação escolar e alimentam nossas expectativas toda vez que estamos na
condição de estudantes.
Se parássemos para pensar um
pouco a respeito de nossas representações sobre o que é ser professor, quais
características poderíamos apontar?
Talvez haveria um consenso
em torno de algumas características, tais como: o professor é aquele que domina
todo o conteúdo de uma determinada disciplina; enquanto o estudante é aquele
que aprende, o professor é aquele que ensina; o professor transmite
conhecimento.
E se afirmarmos que tais ideias precisam ser revistas? Por exemplo: diante da provisoriedade do conhecimento, isto é, da percepção de que o conhecimento humano é conceitualmente limitado e que a cada momento surgem novos conhecimentos, é possível ao educador tudo saber? Pode ele saber tudo diante da quantidade de conhecimentos produzidos a cada minuto? A escola é o único lugar onde podemos aprender e o professor é o único que pode ensinar? Pode o professor aprender também com o estudante? Como? Conhecimento é adquirido apenas por meio da transmissão? Como pode se dá a sua aquisição? Mas de onde vem o conhecimento? Quem o produz? Apenas alguns podem produzi-lo?
Essas são apenas algumas
questões que podem nos auxiliar na realização de uma revisão sobre nossas
concepções sobre o que é ser professor e seu papel na sociedade hoje, uma
sociedade que vive transformações marcadas pela globalização e pelo desenvolvimento
acelerado de tecnologias da informação e da comunicação. Outras questões, além
dessas, podem surgir para possibilitar novas aprendizagens sobre o assunto.
Talvez o modelo de escola
focado no ensino tenha servido para uma determinada época. Nele, o professor
era tido como o centro do processo (aquele e somente aquele que ensina,
subsidiado pelos materiais didáticos) e o estudante era visto como uma espécie
de “tabula rasa” (aquele que aprende), um ser que ao entrar na escola nada
sabia e que, para ser promovido em todas as séries do ensino, precisaria ser
aprovado, demonstrando dominar, especialmente por meio da memorização, todos os
conteúdos propostos pelo currículo. Mas hoje, decorar conteúdos, sem ao menos
compreender para o que eles servem para a vida é suficiente? Conseguirá o
educador “transmitir conhecimentos” utilizando apenas sua voz, o pincel
atômico, o quadro branco ou a exposição em PowerPoint, quando há tantos
recursos que mobilizam sentidos além da audição e da visão e que despertam interesse,
disponibilizadas especialmente pelas redes de computadores e pelas novas
mídias?
O conhecimento, antes
restrito a algumas pessoas e ambientes, torna-se cada vez mais acessível e,
contraditoriamente, damos pouca atenção à filosofia e à ciência, conformando-nos
com os saberes do cotidiano que, até certo ponto são relevantes, mas que em
questões fundamentais e complexas não dão condições para a resolução de nossos
problemas. Para Book, Furtado e Teixeira (2008, p. 18-19), o senso comum é um
tipo de conhecimento que vamos acumulando em nosso cotidiano. Ele é intuitivo,
espontâneo, de tentativas e, sem ele, a nossa vida no dia a dia seria muito
complicada. No entanto, apenas esse tipo de conhecimento não seria suficiente
para dar conta das exigências impostas pelo desenvolvimento da humanidade.
O conhecimento está em todo
lugar, pode ser aprendido a qualquer momento, desde que saibamos separar a boa
informação da má informação, analisando-a, interpretando-a e dando sentido
coerente e consistente sobre as questões postas pela realidade que procurarmos
compreender.
Hoje, educadores e
estudantes são convidados a aprender a pensar, isto é, a conhecer com autonomia
e o caminho para isso é a pesquisa. Nesse sentido, a pesquisa nos coloca em
contato direto com a realidade, numa postura de indagação, de esforço para
responder dúvidas sobre a realidade na qual estamos inseridos. As dúvidas
mobilizam nossa curiosidade e para satisfazê-la, devemos conhecer respostas que
alguns autores procuraram dar para questões que nos incomodam, dialogando com
elas. Ao mesmo tempo, com olhar crítico e fundamentado no conhecimento
científico, procuramos apreciar a realidade e dar-lhes um sentido,
conceituando-a. Dessa forma, aprendemos, novos e significativos conhecimentos
surgem. Para Book, Furtado e Teixeira (2008, p.16), “a ciência é uma atividade
eminentemente reflexiva. Ela procura compreender, elucidar e alterar esse
cotidiano, a partir de seu estudo sistemático”.
Diante de tantos desafios, o
educador é convocado constantemente a rever suas práticas. Hoje, por exemplo,
ele não é visto mais como um “transmissor de conhecimento”, mas como aquele que
estimula a aprendizagem, que cria condições para que a aprendizagem do
estudante seja garantida e nesse processo, ele também aprende. Nesse sentido,
para Freire,
(...) ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar possibilidades para sua produção ou a sua construção
(...) Não há docência sem dicência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar
das diferenças que as conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do
outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem
ensina, ensina alguma coisa a alguém (...) (FREIRE, 1998, p.25).
O educador que reflete sua
prática no ambiente escolar, que vive em constante reflexão é um professor reflexivo. Ele não apenas
pensa como se tornou educador, mas como desenvolve a aula, isto é, torna-se um
crítico das concepções e metodologias que adota em sala de aula, procurando
modificações e aplicando-as em sua ação educacional.
O conceito de professor
reflexivo tem como referência o pensamento de John Dewey (1859 a 1952),
intelectual e educador norte-americano que entendia a reflexão como elemento
que favorece a melhoria das ações dos educadores. No Brasil, Paulo Freire (1921
a 1997) defendeu a reflexão crítica sobre a prática pedagógica como momento
para a formação permanente de professores. Para ele,
(...) É pensando
criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima
prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica tem de ser
de tal modo concreto que quase se confunda com a prática (FREIRE, 1998,
p.43-44).
Portanto, a reflexão sobre
as práticas docentes, logo após ou no momento em que elas se desenvolvem, visa
a mudança, a reconstrução de ideias e práticas pedagógicas. Nessa perspectiva,
o educador, não acomodado ético e intelectualmente, reflete sobre si mesmo e
sobre suas práticas, avaliando-as, percebendo fragilidades e apontando
soluções.
Freire também destaca a
necessidade de não esquecermos a teoria, isto é, os conhecimentos filosófico e
científico já produzidos e que servirão como fundamentos para práticas
comprometidas ações pedagógicas emancipadoras, isto é, capazes de promover a
formação integral de todos os envolvidos no processo educacional. Para ele,
teoria e prática são próximos, indissociáveis, uma não pode nem deve viver sem
a outra.
Na pedagogia do professor
reflexivo o educador não é apenas aquele que executa, mas que também pensa e
planeja. Sendo autônomo, concebe o ato de aprender e ensinar de forma
inseparável e, nesse processo, aprender sempre vem primeiro.
Fundamentado em Dewey,
Donald Schön (1930 a 1997) desenvolveu o pensamento de que a atuação do
educador compreende quatro momentos profundamente integrados: conhecimento
prático, reflexão na ação, reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão na
ação.
O conhecimento prático corresponde ao conhecimento aplicado na ação
docente: é o saber fazer. Tal conhecimento foi adquirido não apenas na formação
inicial, nos antigos cursos de magistério ou nas graduações, mas também por
meio das vivências como estudantes, tendo seus educadores da educação básica ou
da graduação como referências. Se, por exemplo, tenho a oportunidade de atuar
como professor de história numa turma de 6° ano do ensino fundamental, recorro
não só aos conhecimentos que adquiri na licenciatura em história, mas aos modos
de atuar de meus antigos educadores na área, selecionando aquelas práticas que
considero interessantes utilizar em sala de aula. Esse conhecimento é o
rotineiro, utilizamos muitas vemos sem o devido pensar.
A reflexão na ação acontece na e durante a prática docente. É a
reflexão sem distanciamento da realidade, pois acontece no momento da ação
pedagógica. De acordo com Schön é um momento de aprendizagens significativas
para o educador, pois é permeado por momentos de trocas, reações e ações e é
nele que o educador transforma conhecimento prático em ação.
Após a realização da ação
docente, o educador realiza a reflexão
sobre a ação e a reflexão sobre a
reflexão na ação. Nesses momentos o educador reconhece obstáculos que
precisa superar, desvenda soluções e sistematiza novas alternativas de ação
docente.
A ideia do professor
reflexivo torna o educador ator e autor do processo educacional e, para isso, é
indispensável que ele participe de todos os níveis de planejamento na escola:
do plano de aula ao projeto político pedagógico da escola. Noutros tempos,
cabia a ele apenas planejar as aulas e às vezes nem isso. Para exemplificar
isso, vejamos o que afirma um manual de didática adotado na década de 1980 na
formação de educadores:
O planejamento em
grau superior, isto é, planejamento do ensino não cabe ao professor, e sim aos
órgãos do governo encarregado de dirigir a Educação. O plano de curso às vezes
é deixado por conta do professor. Mas o plano de aula e o de unidade ou de
trabalho são tarefas essenciais do mestre. (FONTOURA, 1984, p. 186).
Vivemos na educação brasileira,
por exemplo, um tempo em que uns planejavam e outros executavam. O planejamento
era uma ação restrita a alguns técnicos em educação (a exemplo dos
coordenadores e supervisores, formados em Pedagogia), vinha de forma
impositiva, restando ao educador executar, tendo que seguir fielmente as
prescrições. E por isso, ainda sentimos a resistência ou a dificuldade de
muitos educadores em relação ao planejamento.
Ao ter apenas que executar,
o educador era apenas uma espécie de ator, isto é, representava um papel cujo
texto não era escrito por ele. Apropriando-se de uma das tarefas docentes,
passando a ser sujeito do planejamento, tornou-se autor, passou a identificar
problemas, conteúdos de ensino, objetivos, metodologias, tempos de aprendizagem
e avaliação.
Para Vasconcelos (2012,
p.25), planejar é uma tarefa também do educador, dentre tantas atribuições
docentes. De acordo com o referido autor, se um educador não sabe planejar,
vive uma espécie de alienação e essa situação se caracteriza pela falta de compreensão
e domínio nos vários aspectos da tarefa educativa. Para ele, a falta de clareza
do educador quanto a realidade e quanto a finalidade da ação educativa torna
difícil para este a operacionalização de uma prática transformadora, já que não
sabe bem onde está, nem para onde quer ir.
É preciso compreender que o
educador não se encontra sozinho, que ele pode e deve ser autor e ator ao lado
de outros educadores, de educandos e outros sujeitos de integram a comunidade
escolar e a comunidade local. Ele, assim como demais sujeitos mencionados,
dentro de uma visão democrática de escola e educação, são chamados a participar
do planejamento de todos os planos escolares, do projeto político pedagógico da
escola, passando pelos regimento escolar, planos de ensino e planos de aula.
Nessa tarefa de planejar, é
imprescindível a utilização da pesquisa, pois ela dará condições para
identificar os problemas vividos pelos estudantes a partir dos quais a escola
como um todo poderá eleger conteúdos que favorecerão o enfrentamento destes,
propondo método de aprendizagem que favoreçam a construção de conhecimentos
indispensáveis ao bem de todos.
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